Pós-graduado em fotografia pela FAAP, desenvolveu estudos acadêmicos na área de comunicação, com foco em estudos culturais e semiótica. Técnico em Artes Visuais e graduado em Comunicação Social, está em constante atualização nas áreas de música, artes visuais, filosofia e política. Atualmente cursa pós-graduação em Metodologia do Ensino de Artes.
Fotógrafo e designer gráfico, atua no ramo de artes visuais, além de desenvolver trabalhos com composição musical e escrevendo estórias.
Uma discussão recorrente que frequentemente volta à pauta, tanto no Brasil quanto no resto do mundo, é a discussão sobre os limites da liberdade de expressão. Existe limite para o que pode ou não ser dito? Ou o direito à expressão de ideias deve ser incontido independente do mal que discursos de ódio podem causar?
Em janeiro deste ano o jornal francês Charlie Hebdo foi alvo de um atentado terrorista que matou várias pessoas e deixou outras feridas. O jornal era conhecido por sátiras com diferentes alvos e alguns grupos islâmicos consideraram as críticas ofensivas, retaliando com um massacre. Muita gente ficou comovida, a campanha Je Suis Charlie (“eu sou Charlie”, em tradução livre) se espalhou por toda a internet e o conturbado ano de 2015 apenas começava.
Importante destacar aqui que o jornal tinha forte apelo político, com viés ideológico claro e já havia incomodado muitos grupos antes dos islâmicos. Católicos eram um alvo recorrente das sátiras do jornal, e o próprio Papa Francisco se pronunciou dizendo que “liberdade de expressão não dá o direito de insultar o próximo”.
A censura e a propaganda sempre foram ferramentas muito utilizadas por governos autoritários. Aqui no Brasil, durante a ditadura militar, a imprensa tinha seu editorial controlado pelo governo, que filtrava o que poderia ou não ir a público. O governo nazista, durante a segunda guerra mundial, teve Goebbels como ministro responsável pela comunicação do governo, com a incrível habilidade de transformar os horrores do Terceiro Reich em práticas vistas por boa parte do povo alemão como algo bom e necessário. Na contramão desse controle da informação estão os defensores da liberdade de expressão, termo que vem perdendo um pouco de seu significado com o passar dos anos, conforme vai sendo usado excessivamente para defender diferentes abordagens sobre o tema.
A liberdade de expressão consiste, em essência, na liberdade para dizer o que pensa. Princípio magno do iluminismo, norteou filósofos como Voltaire, a quem é comumente atribuída uma frase que ele nunca disse: “posso não concordar com o que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo”. A ideia de tal liberdade é, justamente, fugir de qualquer censura de ideias, qualquer tentativa de dizer a alguém que algo não deve ser dito, independente do quanto você não concorde com o que a pessoa está falando.
Isso vai em caminho totalmente oposto à crítica ao discurso de ódio.
É comum que, em sociedades preocupadas com o combate ao preconceito e com a inclusão social de diferentes formas de diversidade, muito se combata o famigerado discurso que estimula o ódio entre grupos. Ataques a imigrantes, preconceito étnico e homofobia são só alguns dos exemplos mais comuns que inflamam a discussão diariamente em todo o mundo.
De fato, extermínios de grupos inteiros também foram realizados por regimes ditatoriais ao longo da história. Os próprios nazistas (que são infelizmente sempre um ótimo exemplo do que não se deve fazer) levaram o antissemitismo europeu a um extremo sem precedentes, que resultou em um enorme genocídio étnico (ao contrário do que muita gente ainda pensa, o extermínio dos judeus não tinha cunho propriamente religioso) que faz com que os alemães se envergonhem daquele momento da sua história até os dias de hoje.
Então, qual o melhor caminho?
Como eu já disse aqui em outro momento, a pluralidade de ideias é um dos fatores mais importantes de uma sociedade democrática. Só existe democracia se houver liberdade de ideias, o que depende da liberdade de expressão. Muita gente, como é o caso do Papa Francisco, divide o conceito de liberdade de expressão e discurso de ódio em duas situações que são divididas por um limite objetivo, aqui no Brasil já constitui crime praticar, induzir ou incitar discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, com pena de reclusão de um a três anos, além de multa. Além disso, grupos como os de movimentos LGBT têm batalhado para emplacar leis que classifiquem como crime também a discriminação por orientação sexual, como a homofobia, transfobia e demais formas de preconceito.
Nossa constituição protege a livre expressão através do artigo 5º, que diz que é livre a expressão de pensamento (vedando o anonimato) e a atividade intelectual, artística, científica e de comunicação. Certamente a ditadura militar que precedeu a constituição de 88 teve papel fundamental no desenvolvimento deste artigo.
Agora, como separar o que é livre expressão de pensamento do que é preconceito?
O preconceito existe e é um problema sério. Milhares de pessoas sofrem diariamente agressões das mais variadas formas, seja verbal, emocional ou física, por algum tipo de característica que precede – nesses casos – o seu julgamento enquanto ser humano. Combater o preconceito deve ser um objetivo de qualquer sociedade com propósitos humanitários e de inclusão social, sendo que todo ser humano é e deve ser tratado como um indivíduo humano, não inferiorizado por qualquer que seja o atributo.
Entretanto, o preconceito também tem uma característica subjetiva muito complexa de ser apontado por terceiros. Ofensa é algo subjetivo, é impossível qualificar o que é uma ofensa do que não é justamente porque ela depende do fato do alvo da ofensa se sentir ofendido, não da intenção da pessoa que a proferiu. É muito comum que pessoas se ofendam ocasionalmente com algo que não tinha o intuito de ofendê-las, assim como também é comum que pessoas interessadas em ofender outras acabem não causando o efeito que esperavam, e isso faz parte das relações humanas.
Além disso, o ato de ofender (no caso, xingar) é, por excelência, uma forma de expressão que não pode ser coibida. As pessoas se irritam e xingam, não só outras pessoas, como também coisas e situações.
Em agosto deste ano o senador e ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) chamou o procurador-geral da república, Rodrigo Janot, de “filho da puta” devido aos desdobramentos da investigação da operação Lava-Jato. Foi uma atitude que passa longe de ser digna de um senador em pronunciamento no congresso, mas foi uma forma bastante sincera de expressão de sentimentos. O termo “filho da puta” poderia ser considerado facilmente uma forma de preconceito contra prostitutas, além de algum tipo de construção machista que objetifica as mulheres, mas em boa parte das vezes está no nosso cotidiano como apenas uma forma de expressar descontentamento. Palavrões são algumas das formas mais sinceras de expressão.
São inquantificáveis as possibilidades de ofender e se sentir ofendido. Pessoas se ofendem com frases que nem contém palavrões ou ofensas propriamente ditas. Pessoas podem se ofender inclusive com situações que independem de frases proferidas. As complexidades psicológicas do ser humano são tão profundas que nem a psicologia tem um consenso sobre o assunto, muito menos uma norma objetiva para controlar o que pode ou não ser dito.
As pautas LGBT, por exemplo, frequentemente colidem com pautas religiosas, e é impossível tomar partido prévio de todas as situações se baseando exclusivamente em um ou outro caso. Alguns religiosos podem ver determinadas ações como desrespeito à sua crença, militantes LGBT encontram em determinados posicionamentos religiosos o preconceito contra suas orientações sexuais, e o confronto acaba se tornando mais complexo do que pode parecer para qualquer um dos envolvidos de ambos os lados, sendo que ambos frequentemente disputam pelo controle governamental da liberdade de expressão de seus opositores.
As pessoas devem lutar contra o preconceito combatendo-o enquanto cultura. Preconceito é cultural e deve ser revertido como tal. Qualquer tentativa de grupos específicos para utilizar a força da lei como coerção só vai motivar uma batalha para decidir quem terá o poder de censurar o outro.
Se a democracia estiver funcionando como deve, a pluralidade de pensamento será uma regra fundamental, e ninguém irá tentar se apropriar do aparato estatal para censurar a opinião alheia. Em contrapartida, se a democracia estiver frágil, vence uma espécie de ditadura da maioria, onde uma grande quantidade de pessoas elege seu representante que passa a perseguir grupos “inimigos”.
Nesse sentido, voltamos ao caráter político do interesse em coibir determinadas formas de expressão. Está em pauta na Câmara um projeto que prevê, por exemplo, punição para quem falar mal de políticos na internet. É um pequeno grande passo para dar ao Estado o poder de censurar críticas políticas.
Vários movimentos políticos se apropriam do suposto interesse em coibir discurso de ódio para promover suas pautas e impedir oposição ideológica. Um exemplo clássico e muito frequente é a discussão a respeito do estabelecimento de políticas de cotas étnicas. São comuns as discussões que saem do campo da razão e da discussão de ideias políticas e caem em ataques sem fundamento que colocam a opinião de qualquer pessoa que critique a medida como “racista”, independente de seus argumentos (que podem efetivamente ser racistas ou não). Alguns grupos feministas específicos – chamadas por alguns de “femistas” – também fazem uso dessa tática e, ao primeiro sinal de crítica, classificam a pessoa que está discordando de suas pautas como “machista”.
É a tática populista de atribuir aos críticos da sua ideologia o papel de “anti-povo”, criando inimigos que devem ser combatidos com viés puramente ideológico, suprimindo a pluralidade ideológica e estabelecendo regimes populistas autoritários. Temos, então, discursos de ódio sendo disparados como mecanismo de defesa contra um suposto preconceito (que muitas vezes existia de fato, outras vezes não existia naquela situação), gerando um confronto entre grupos cujo único intuito é censurar opiniões divergentes.
Em um caso icônico desse tipo de situação, Marilena Chauí, professora da USP e conceituada teórica da área de comunicação, cometeu o grave erro de dizer que odiava a classe média em um evento que contava, inclusive, com a presença do ex-presidente Lula. Em sua argumentação, a acadêmica afirmava que a classe média era fascista e preconceituosa, mas em essência, ela fez exatamente o que criticava: motivou ódio contra grupos inteiros numa atitude preconceituosa. O próprio governo PT vem colhendo frutos amargos do discurso populista que ele próprio semeou ao longo dos últimos anos e, de tempos em tempos, promove algum discurso dizendo que é momento para o Brasil se unir, tentando reverter o tiro que saiu pela culatra no atual momento de queda de popularidade. Já um exemplo muito bom do contrário, de uma situação onde a própria população, através de um trabalho cultural, combateu o preconceito de forma espontânea, o Boticário realizou uma campanha com casais gays e gerou indignação de grupos religiosos que tentaram boicotar a marca, mas em uma reviravolta interessante, teve um número muito maior de apoiadores o que, devido ao buzz gerado com a polêmica, resultou um de seus maiores sucessos de vendas.
A liberdade de expressão é vital para uma sociedade livre e justa, e embora o preconceito exista, seja cruel e deva ser combatido, não se pode tentar combate-lo através de censura e perseguição política. Em uma democracia bem resolvida, a própria sociedade busca através da cultura um equilíbrio e acaba revertendo o cenário do preconceito; em uma democracia mal resolvida, tudo o que a censura fará é dar controle ideológico a grupos majoritários para coibir politicamente opositores. No primeiro caso, a liberdade de expressão é vital para a manutenção da própria pluralidade ideológica; no segundo, a censura é uma ferramenta de manutenção do autoritarismo.
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