Pós-graduado em fotografia pela FAAP, desenvolveu estudos acadêmicos na área de comunicação, com foco em estudos culturais e semiótica. Técnico em Artes Visuais e graduado em Comunicação Social, está em constante atualização nas áreas de música, artes visuais, filosofia e política. Atualmente cursa pós-graduação em Metodologia do Ensino de Artes.
Fotógrafo e designer gráfico, atua no ramo de artes visuais, além de desenvolver trabalhos com composição musical e escrevendo estórias.
A copa já acabou, estamos entrando em época de eleições, temos a corrida eleitoral já acirrada há algum tempo, e tanto os candidatos quanto os militantes disputam avidamente a atenção dos eleitores, além – é claro – de atacar seus principais rivais. O momento se faz extremamente propício para uma discussão que pode ser até mais importante do que a de qual candidato em si é melhor, ou qual partido, ou quem merece ou não ser eleito: a democracia.
É de conhecimento de muita gente que o termo democracia vem do grego, “demos” + “kratos”, e significa algo como “poder do povo”. Nesse contexto, é comum que as pessoas simplifiquem o conceito de democracia dizendo que consiste, apenas, no exercício do poder político pelo povo, o que além de simplista, é completamente vago.
Vivemos numa democracia representativa, onde o povo elege representantes que, por sua vez, exercem o poder e, sendo assim, o povo exerce o poder de maneira indireta. A questão é que esse exercício não funciona literalmente como “poder do povo”, mas sim tem a função de legitimar o poder de alguns em nome do povo. Isso implica em várias questões muito mais complexas do que simplesmente dizer que eleições de 4 em 4 anos já representam a existência de uma democracia plenamente funcional. Ela necessita de alguns pontos importantes além dessa legitimação pra que seja válida.
Em primeiro lugar, o princípio essencial e necessário para se estipular uma democracia aceitável, é que haja mais de uma figura se propondo a exercer o poder. Só se pode alegar que “o povo” escolheu seu representante político e, consequentemente, legitimou o poder dado a ele, se “o povo” teve diferentes opções para escolher. Isso não implica numa distinção simplista, não basta haver um “candidato A” contra o “candidato B” pra que haja um leque de opções considerável, é necessário que as opções sejam efetivamente de diferentes pontos de vista.
Vários candidatos disputando o poder político se propondo a fazer basicamente as mesmas ações – ou ações com pouquíssimas diferenças entre si, sendo fundamentadas no mesmo viés ideológico – são um problema democrático sério, e isso não tem relação alguma com quais ações estão “certas” ou “erradas”. É comum que pessoas com um posicionamento ideológico convicto e, consequentemente, que acreditam que sua ideologia é a “melhor”, defendam que quanto mais representantes políticos com os mesmos ideais que elas, melhor. Democraticamente falando isso não é verdade. A democracia depende de pluralidade ideológica, e independente de acreditar ou, principalmente, concordar com posicionamentos ideológicos divergentes, uma pessoa interessada em manter o jogo democrático deve, acima de tudo, aceitar a existência deles, e inclusive incentivá-la.
É só com diferentes pontos de vista, diferentes formas de abordar os problemas políticos do Estado, que se tem opções verdadeiramente diferentes e, consequentemente, a democracia pode efetivamente legitimar o poder através da decisão popular. É preciso evitar a todo custo que um determinado pensamento ideológico corroa as estruturas democráticas e, gradualmente, impeça os demais posicionamentos de serem exercidos. Além disso, a divergência ideológica é extremamente importante para que haja o confronto das ideias e, consequentemente, possa se extrair resultados melhorados tanto com implementação de ideias já existentes, com a eventual contestação de alguma ideia que pode acabar se mostrando pior do que parecia num primeiro momento, ou até com o surgimento de novas ideias nesse embate.
O segundo ponto importante para a legitimação do poder democrático é o interesse político por parte da população. Mês passado, enquanto todos estavam preocupados com a copa, uma pesquisa CNI/Ibope indicou que cerca de um quarto da população não tem interesse algum nas eleições. Isso somado ao fato de que o voto é obrigatório (embora as pessoas possam justificar ou pagar multa por não comparecimento), acaba resultando em muitos votos casuais, escolhidos sem o menor comprometimento com as propostas de cada candidato.
Hoje, no Brasil, os debates entre os candidatos são as principais ferramentas que o eleitor tem para tomar um posicionamento, enquanto os horários eleitorais obrigatórios são, em essência, um desserviço ao fazer democrático.
Enquanto nos debates, todos os candidatos têm tempos fixos, e confrontam suas ideias entre si cara a cara, o horário eleitoral veiculado na televisão é um show de roteirização e produção gráfica publicitária. É o confronto máximo entre qual candidato tem a melhor equipe publicitária e, consequentemente, pode fornecer o melhor espetáculo, para atingir as pessoas com pouco conhecimento e interesse no assunto.
O tempo desigual, dividido por representação de cada coligação, também faz com que alguns candidatos possuam um período de exposição maior do que vários outros juntos, o que é obviamente desproporcional e faz com que o maior tempo de exposição acabe conquistando mais votos, que é basicamente como a própria lógica publicitária de produtos funciona.
Somado a isso, podemos considerar o fato de que segundo o TSE, 30,2% dos eleitores não têm o ensino fundamental completo, sendo que 17%, ou são analfabetos, ou apenas leem e escrevem. Isso não significa – de maneira alguma – que essas pessoas não devem ser ouvidas no fazer democrático, mas significa pontualmente que são pessoas vulneráveis a estratégias publicitárias, uma vez que dificilmente têm acesso a informações que lhes possa dar uma boa possibilidade de discernir entre as campanhas dos candidatos, fazendo com que a disputa eleitoral seja travada no campo publicitário, não no campo das propostas políticas, além é claro do fato de que, quanto menor o nível de ensino das pessoas, maior a possibilidade de que elas tenham mais dificuldade de entender essas propostas.
Em terceiro lugar, temos também a importância do sistema de três poderes, legislativo, executivo e judiciário, que devem ser independentes, e cada vez que um dos poderes influencia diretamente – seja por meio de alianças, influência dos partidos ou até convergências ideológicas – em outro, temos sérios riscos à democracia. A diferença entre os poderes existe justamente para que se legisle, execute e julgue de maneira independente, o que aumenta substancialmente a burocracia de quaisquer situações, mas é justamente essa burocracia que tenta garantir que interesses específicos de determinadas pessoas e/ou partidos não sejam considerados acima do interesse do Estado. Consequentemente, uma certa vantagem de qualquer governo autoritário é a facilidade maior de tomar determinadas atitudes, mas isso também dá muito poder para poucos e frequentemente resulta em opressão do povo.
Relacionado a isso, temos por último – mas não menos importante – que é absolutamente necessário que o fazer democrático em si seja independente da opção ideológica. A democracia não é um fim político, é um meio pelo qual se faz política, meio que não é necessariamente o mais funcional para lidar com determinados problemas, mas que deve ser respeitado acima de qualquer ideal, por mais nobre e bem intencionado que seja, pela sua própria lógica de existência, que é a de garantir o mínimo de liberdade possível para que haja uma coexistência entre todos dentro do Estado.
Praticamente todos os regimes autoritários da modernidade se estabeleceram sob o pretexto de buscar “o bem maior”, e no processo, muitos deles terminaram cometendo inúmeras atrocidades “em nome do bem” contra grupos inteiros de até milhões de pessoas. Isso é inaceitável.
É a partir desse tipo de desrespeito ao processo democrático que se criam malabarismos conceituais para justificar o injustificável. O próprio conceito de democracia vem sendo “moldado” com ações para embasar determinadas atitudes ideologicamente engajadas com o aval da população que, muitas vezes, não tem esse discernimento.
É válido citar que o fato de grupos específicos se colocarem como preocupados com o bem da população através de suas pautas não significa que seja o exercício da democracia, por mais que eles aleguem que suas pautas tenham o intuito de agir em prol do povo. São grupos engajados com a intenção de articular questões da maneira que consideram ser melhor, e efetivamente podem até ser (ou não), mas isso não é uma situação de poder legitimado pelo povo. Fins e meios são coisas diferentes.
Assim como o fato de simplesmente ter sido eleito pelo voto direto não significa, obrigatoriamente, que um determinado representante político foi eleito de maneira completamente democrática, uma vez que o aparelhamento dos três poderes é um dos passos mais comuns na tentativa de corroer a democracia para tomar o poder de forma mais efetiva, o que pode ser muitas vezes feito até com uma intenção de tentar “melhorar o país”, mas que fere drasticamente as regras do jogo e, consequentemente, não é aceitável.
Além disso, o bombardeio ideológico, até por controle de veículos de mídia estatais (que dependendo de como forem administrados podem passar a agir, não mais em prol do Estado, mas em prol dos governantes em si) e de meios específicos (como movimentos ideológicos dentro de setores públicos) não pode subjugar a lógica democrática, que depende justamente da pluralidade ideológica, ou vão aplicar indiretamente a própria lógica autoritária de se colocar como verdade incontestável e não aceitar ser questionado.
Cabe a cada cidadão refletir se tem uma preocupação efetivamente voltada à democracia, ou se assumidamente tem seus interesses políticos colocados acima do fazer democrático, endossando lógicas autoritárias com o fim de buscar o que considera melhor para o país. Entretanto, é importante lembrar que, na eventualidade da segunda opção, automaticamente damos um passo para trás no estabelecimento de um Estado de Direito justo e coerente, uma vez que convicções políticas que não toleram oposição historicamente resultaram em situações catastróficas, como guerras, genocídios e opressão autoritária.
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