Pós-graduado em fotografia pela FAAP, desenvolveu estudos acadêmicos na área de comunicação, com foco em estudos culturais e semiótica. Técnico em Artes Visuais e graduado em Comunicação Social, está em constante atualização nas áreas de música, artes visuais, filosofia e política. Atualmente cursa pós-graduação em Metodologia do Ensino de Artes.
Fotógrafo e designer gráfico, atua no ramo de artes visuais, além de desenvolver trabalhos com composição musical e escrevendo estórias.
Depois de eleições intensas, acusações até bastante sérias feitas entre vários dos candidatos à presidência da república desde o primeiro turno, intensificadas ainda mais na disputa entre os dois que seguiram para o segundo, e um efeito bastante incomum de ânimos alterados entre os eleitores que resultou até em confronto físico, o que nos resta depois disso tudo?
Já escrevi aqui antes do período eleitoral sobre democracia e não tenho o intuito de ficar me repetindo, mas o Brasil ainda tem uma dificuldade muito grande de exercer a prática democrática, o que torna o assunto muito importante e necessário. Temos uma história consolidada em cima do autoritarismo: fomos colônia, pedimos independência pra ser um império, derrubamos o império pra proclamar uma república problemática e autoritária onde “coronéis” moldavam a democracia de acordo com seus interesses, partimos para uma reforma da república velha com um golpe que virou uma ditadura, terminamos essa ditadura quase que por obrigação ao final da segunda grande guerra, elegemos o próprio ditador depois de alguns anos pra mais um mandato e, depois de algumas pouquíssimas sucessões um tanto conturbadas (como qualquer democracia razoável sempre foi), em plena guerra fria, nos vimos num cenário político extremamente complexo que acabou resultando em outra ditadura, que terminou muito pouco tempo atrás.
Não, não somos uma nação construída democraticamente, e isso traz muito mais desdobramentos do que pode parecer num primeiro momento.
O primeiro ponto aqui é que a democracia é muito complexa e, principalmente, não é perfeita. Não existe sistema político perfeito, aliás, o primeiro passo para que ela funcione é aceitar que a política não é a arte do ideal, é a arte do possível, e qualquer pessoa que afirme ter a fórmula para a sociedade perfeita tem sérias tendências – sérias mesmo – a tentar passar por cima da democracia na primeira oportunidade, convencida de que suas ótimas intenções justificam a atitude. Foi o que aconteceu (e ainda acontece) no mundo todo em incontáveis situações, valendo citar um momento no qual a crença em regimes autoritários como solução para os problemas do mundo teve seu ápice com o III Reich alemão, a União Soviética, o fascismo italiano e até o nosso Getúlio, todos simultâneos.
Esse era exatamente o ponto do Maquiavel quando cravou o célebre “os fins justificam os meios”, que lhe rendeu uma péssima fama na cultura popular. Tudo o que ele queria dizer é que o detentor do poder político tem que buscar sempre o poder, mesmo que “fazendo o diabo”, justamente para fazer o bem para a população, que é o intuito de qualquer líder bem intencionado. O problema, claro, é que opiniões sobre como fazer esse bem vão sempre divergir, e qualquer regime não democrático vai tratar pessoas que discordem da visão de mundo do seu líder (o “Príncipe” do Maquiavel) com autoritarismo. A história está aí pra nos mostrar que esse pensamento tem fortes chances de resultar em opressão exagerada do Estado, mortes, e até genocídios. Todo autoritarismo é um erro, independente de suas boas intenções.
Se vamos partir, então, do princípio que o meio deve ser sempre a democracia, independente de quaisquer eventuais “boas intenções” como fins, nos voltamos para outro problema: qual democracia.
Recentemente vem sendo levantada a questão da “democracia direta”, que seria um passo para além da “democracia representativa”. A representativa é a que temos hoje, no Brasil e em basicamente qualquer país democrático do mundo, onde representantes são eleitos para exercer o poder político. O discurso da democracia direta é ótimo: defende-se uma democracia mais participativa, onde o povo teria a capacidade de exercer o poder político diretamente. Os gregos da antiguidade exerciam a democracia de maneira direta, eles se reuniam e debatiam as medidas que deveriam ser tomadas.
Entretanto, como qualquer coisa complexa, quanto mais conceitos a gente desdobra, mais questões precisam ser respondidas. O próximo passo deveria ser extremamente simples, mas é um ponto problemático das discussões políticas: quem é o povo.
A democracia direta grega era funcional uma vez que uma parcela pequena da sociedade era considerada como “o povo”, o que tornava as coisas muito mais práticas. Vivemos numa sociedade que tenta a cada dia romper mais preconceitos e barreiras que dividam seres humanos entre grupos com diferentes direitos. É inconcebível dentro da democracia distinguir hoje grupos que possam exercer poder político e grupos que não possam, dar igualdade de voz na política para todo cidadão é um de seus princípios. Então, como fazer uma democracia direta hoje?
Muito se discute, muito se teoriza, apesar da democracia grega ter mais de dois mil anos de existência, discussões mais ousadas nesse sentido ainda são muito novas. Como eu disse, é um assunto complexo.
Há quem acredite em políticas participativas onde grupos que defendem interesses sociais específicos deveriam ter mais poder na política da sociedade. Foi justamente o tópico que gerou tanta polêmica no decreto 8.243 da presidente Dilma, cujo intuito é abrir mais participação política para conselhos populares. O decreto foi barrado na câmara dos deputados recentemente e seguiu para o senado.
Mas qual o problema de um decreto que visa abrir a participação política para conselhos populares?
Claro que esses conselhos são formados por pessoas do povo, que em tese lutam por políticas para o povo, mas quem é o povo? Ele tem uma massa homogênea de pensamento ou são milhões de pessoas que discordam entre si nos mais variados assuntos? A meta da política deve ser uma hegemonia cultural de pensamento ou a pluralidade de visões de mundo? Pessoas que fazem parte de grupos que militam “pelo povo” ouvem a opinião das pessoas, de todas as pessoas que compõe o povo, para seguir com suas pautas de maneira mais “democrática” o possível, ou apenas lutam pelo que acreditam ser melhor para o povo?
Democracia não é governar para o povo, isso é o que qualquer governo minimamente “bem intencionado” faz, dos mais autoritários e repressores aos mais livres e democráticos. Democracia vem da ideia de governo do povo, e abrir para que grupos específicos exerçam poder político – numa tentativa de democracia mais direta – tende a dar aval para que esses grupos específicos exerçam o poder de forma mais direta, não “o povo”.
Defensores do decreto alegam que quaisquer interesses poderiam ser defendidos, o que faria com que todo o povo fosse ouvido, contanto que os conselhos que defendem cada grupo de interesses fossem efetivamente formados e se fizessem presentes. No fundo, seria apenas mais uma forma de “representatividade” política, dessa vez exercida através de militância, não do voto, o que torna o jogo todo muito mais perigoso, uma vez que a prática da militância é muito mais emotiva e subjetiva do que racional e objetiva.
Críticos do decreto alegam que outros regimes já usaram táticas parecidas para apenas aparelhar o sistema de maneira mais funcional, corrompendo a democracia. De fato, governos como o da Venezuela têm políticas de participação social bem avançadas, o que não impediu que protestos no começo deste ano fossem tratados de maneira tão dura pelo presidente Maduro que, recentemente, a ONU anunciou que a Venezuela vive quase num Estado de Exceção, e pediu para que o presidente libertasse dezenas de pessoas presas nos protestos que supostamente vêm sofrendo várias formas de tortura. Grupos sindicais na Bolívia, em outra comparação, ameaçaram nas últimas eleições punir quem não votasse no partido do presidente Evo Morales com chicotaços.
Mas o Brasil não é a Venezuela e nem é a Bolívia. Talvez o ponto mais importante da defesa do decreto em questão é a alegação de que nossos atuais representantes não governam para o povo e, consequentemente, o povo não exerce seu poder garantido pela prática democrática. Um sentimento muito forte de frustração, com direito a críticas contra políticos em específico dizendo “ele não me representa”, é muito presente na população de maneira geral, mas de quem é a culpa? O sistema de democracia representativa, ou a nossa versão dele aqui no Brasil, é mesmo tão ruim?
Se voltarmos à nossa tese inicial, a de que a política não é a arte do ideal e não é perfeita, podemos concluir sem dificuldade que é uma coisa em constante necessidade de melhorias, e a discussão da funcionalidade do nosso sistema é sim muito válida e necessária, mas temos que, antes de criticar e apontar eventuais falhas no sistema político, entender como ele funciona, para então realmente alegar se ele precisa ser revisto (ou o que precisa ser revisto).
A democracia representativa no mundo inteiro tem falhas, países muito mais bem resolvidos democraticamente do que o Brasil sempre tiveram seus problemas. O toque mais especial da democracia é que ela funciona na base de conflitos, de uma pluralidade ideológica que se choca constantemente, e isso faz com que as coisas pareçam não funcionar. Não se engane. Isso é exatamente o que diferencia uma democracia relativamente bem resolvida de qualquer regime autoritário disfarçado de democracia (ou abertamente autoritário, como tantas ditaduras que ainda existem no mundo). É só através desse choque, dessa constante briga entre pontos de vista, entre visões de mundo distintas, que as sociedades humanas podem funcionar de maneira a abrigar todo mundo sem que algumas pessoas com determinada maneira de pensar sejam consideradas “inimigas” de outras pessoas.
A democracia representativa tem sua principal qualidade e seu principal defeito exatamente nesse ponto. O povo, todo o povo, escolhe quem os “representa” em eleições esporádicas, mas não basta apenas votar e esperar a mágica acontecer. Políticos são seres humanos, e seres humanos têm duas tendências problemáticas – e eu disse tendências – muito pontuais: o erro, e a ganância.
Um político que é eleito e não tem ninguém prestando atenção em seu trabalho (ou ninguém que eventualmente vá elegê-lo novamente, pelo menos), tem realmente uma abertura muito grande para não representar quem o elegeu, seja por apenas não ter o retorno de seus eleitores para lhe mostrar constantemente o que querem que seja feito, ou seja por má fé realmente. O ponto é que ambos os casos são facilmente resolvidos com a constante presença do eleitorado durante o mandato.
Se um bom político eleito tiver sempre um feedback do seu eleitorado, vai trabalhar de maneira a atendê-lo, assim como um político que eventualmente esteja lá apenas para receber os gordos salários das cadeiras políticas não vai ter a liberdade de deixar seus eleitores na mão, ou simplesmente não será eleito novamente. É aí que mora a participação – e o poder – do povo na democracia representativa. As mídias sociais têm sido uma ferramenta muito poderosa nesse sentido, e têm funcionado de maneira muito interessante como um canal prático entre os eleitores e seus representantes.
A democracia direta é com certeza uma coisa que deve ser muito defendida e discutida, não só no Brasil, mas no mundo todo, entretanto colocar muita fé numa reestruturação de um sistema que nunca foi exercido da maneira que deveria num país com um histórico tão sutil e mal explorado de democracia é extremamente perigoso. A busca por melhoria deve ser sempre um ideal, mas só é possível assumir que alguma coisa não funciona quando ela já foi explorada da maneira correta. Mais do que isso, se dentro da lógica da democracia representativa ainda não conseguimos, enquanto nação, compreender a necessidade das divergências de pontos de vista políticos e como fazer para tê-los coexistindo, não será com mais participação direta que o país passará a funcionar melhor. Muito pelo contrário, só abriremos mais margem para que alguns governem em nome de outros sem que todo o povo efetivamente possa opinar, ou no limite do dissenso, o povo vai eventualmente entrar em uma guerra civil.
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